Reportagem

Depois do primeiro post dessa série, uma pergunta continuava sem resposta para mim: Como essas pessoas se encontram? Como é que, afinal, surge um coletivo? Vimos que a criação do Ocupe e Abrace se ligava a um problema bastante específico. Mas será que é sempre assim?

Sobre hortas e cidadania

Não, não é sempre assim. Em se tratando desses grupos e suas ações, quase nada, aparentemente, acontece de forma uniforme. Muitos dos chamados coletivos se distinguem de outras organizações da sociedade civil exatamente porque são bastante informais: raros são os cronogramas, os comitês e conselhos e, ao que se vê, nenhuma burocracia.

À primeira vista, a inexistência de uma hierarquia fixa estabelecida me pareceu encantadora. Mas por pouco não me fez desistir de dar continuidade à reportagem…

Leve-me a seu líder!

Foram várias tentativas frustradas de falar com os que eu, supostamente, imaginava serem os líderes de determinados coletivos, até chegar a Claudia Visoni, jornalista da minha geração, que hoje se apresenta como agricultora urbana. Uma das criadoras da Horta das Corujas, na Vila Beatriz, e também atuante na Horta dos Ciclistas, na praça de mesmo nome, na Avenida Paulista, Claudia se tornou uma referência quando se fala em hortas comunitárias em São Paulo. Foi só conversando com ela que finalmente percebi que para entender os coletivos teria de mudar algumas premissas. A primeira delas é que alguns coletivos não têm, necessariamente, um líder que se assuma como tal (uma organização que alguns definem como de modelo horizontal) . E que embora por diferentes razões algumas pessoas sejam mais constantes em determinados coletivos, não há uma fidelidade a este ou aquele grupo, apenas um certo compromisso ético com o que Claudia chama de “atuação em rede”: “Só acredito nisso”, ela diz. “Tenho tendências anarquistas”, brinca. Por isso, é comum a gente encontrar pessoas ligadas a um grupo ajudando no projeto de um outro. Em alguns casos, claro, há um interesse direto em aprender com uma experiência específica para reproduzi-la depois em seu próprio grupo. Em outros, é simplesmente para ajudar, mesmo.

Lutando contra minhas famigeradas ideias pré-concebidas, tenho dificuldade em imaginar como qualquer projeto pode andar quando não se pode atribuir funções ou contar com determinada pessoa para esta ou aquela tarefa. “Motivação é um movimento interno”, me ensina Claudia. “Somos treinados para esperar que o poder público faça. Quando se atua nesses movimentos, a gente faz e com isso se empodera. Outra coisa bacana é: quem deu a ideia participa da execução. Nossa sociedade valoriza a ideia mas não põe ênfase na realização”. Por tudo isso, apesar de sua constância na Horta das Corujas, Claudia acredita que, se um dia se afastar, outras pessoas vão continuar o trabalho. Ela admite que para quem está chegando a dinâmica dos coletivos pode ser um desafio, e se diverte contando sobre um visitante que acabou abandonando o barco por tudo lhe parecer “confuso e perturbador”.

“…E no centro da própria engrenagem”

Mas que ninguém se iluda. Apesar da flexibilidade, os ativistas dos coletivos também não se encaixam facilmente no clássico perfil de bicho grilo. Claudia Visoni cumpre atualmente seu segundo mandato como conselheira municipal eleita, dentro do Cades, Conselho Regional de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz, um conselho constitutivo da prefeitura que se apresenta como uma tentativa de tornar a administração mais participativa.

De acordo com Claudia, o Cades é um conselho ainda pouco conhecido que não tem muito poder mas a experiência tem se mostrado bem produtiva. “Ser conselheira é um grande aprendizado; você começa a ver onde estão os entraves e conhecendo os problemas internos mais de perto temos conseguido avanços bem legais. O conselho é a sociedade civil apoiada oficialmente”, explica. A prática no conselho tanto quanto nos coletivos é para ela “um treino de resiliência enorme”.

Um dia depois de conversar com Claudia, tive a oportunidade de ver uma das realizações do conselho que ela representa:  Um curso gratuito e aberto ao público, na Subprefeitura de Pinheiros, onde dois plantadores de árvores apaixonados ensinaram mais de uma centena de pessoas a plantar árvores nas calçadas da cidade.  A meu lado na plateia, jovens, gente de meia idade e da terceira idade.  Muitos deles voltarão para a aula prática no domingo, quando devem arborizar uma rua do bairro de Pinheiros. Não perca, em  nova reportagem aqui no Horizonte Sustentável, tudo sobre essa iniciativa e sobre os grupos que estão revitalizando a arborização urbana em São Paulo. Pouco antes desse curso, Claudia e o conselho haviam conseguido uma parceria entre coletivos e administração, promovendo um curso de plantio de árvores para os funcionários terceirizados da prefeitura. Isso depois de constatarem que, apesar do trabalho que têm, esses funcionários não sabiam, justamente, plantar árvores…

horta 2

De volta ao princípio

Enquanto aprendia a olhar para os coletivos de uma forma menos convencional e viciada, resolvi que há reflexões mais interessantes sobre o tema do que simplesmente saber como eles se formam. Mas para quem ainda não sabe, no caso da Horta da Corujas, Cláudia e uma colega jornalista, Tatiana Achcar, que já cultivavam suas hortinhas em casa, criaram um grupo de Facebook onde trocavam experiências com outras pessoas em situações similares em todo o Brasil.  O grupo do Facebook deu tão certo que hoje conta com mais de 35 mil membros e acabou resultando na criação da horta comunitária. Segundo Claudia, foi da sugestão de um dos dos membros do grupo que a ideia saiu das redes sociais à ação: Por que não plantar por aí?, perguntava o moço. A ideia foi acatada e acabou vingando, mesmo que seu autor tenha sumido, e assim surgiu a ocupação de 800 m2 da Praça Dolores Ibarruri. Para saber mais sobre esse começo, como anda a horta hoje em dia e sobretudo sobre os benefícios da agricultura urbana, recomendo dois vídeos nos quais se pode ver a própria Claudia contando a história. Um de 2013, aqui e outro bem recente aqui. Em suas falas, Claudia nos brinda com momentos despretensiosos mas quase poéticos: “Numa horta comunitária, […] a gente colhe relacionamento humano”. E mais, “O processo de desalienação não tem preço”, ensina.  Vai encarar?

Fotos: Horta da Corujas
Se você faz parte de um coletivo ligado às questões ambientais e/ou da cidade e tiver interesse em contar um pouco da sua própria experiência, entre em contato. E a conversa vai continuando, assim como as hortaliças das muitas hortas que vão surgindo na Grande São Paulo. Para saber se há uma horta perto de você ou como pode se juntar a este movimento, comece no site do Muda SP, que mapeou essas iniciativas.
  • O texto foi corrigido em alguns detalhes em 01.05.2016