Chocolate é sustentável?
De que forma podemos, mesmo nas pequenas coisas, causar menos impacto ao ambiente? Que mudanças são necessárias para tornar mais leves nossas pegadas sobre este sofrido planeta?

Refletindo sobre essa questão, enquanto saboreio uma densa, escura barra de chocolate, percebo que até mesmo uma das minhas paixões, o chocolate, tem suas implicações ecológicas. Morando na Dinamarca, relativamente perto de países famosos pela qualidade de seus chocolates, como Suíça e Bélgica, é quase impossível não lembrar que o cacau, matéria prima desse pequeno tesouro, viaja milhares de quilômetros desde as fazendas tropicais onde é produzido até ser transformado pela mágica dos mais talentosos chocolatiers europeus. Hoje, os três primeiros produtores de cacau do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, são respectivamente Costa do Marfim, Gana e Indonésia. O Brasil figura na sexta colocação, posição à qual fomos relegados depois dos efeitos devastadores da praga conhecida como vassoura-de-bruxa, que nos anos 90 destruiu plantações inteiras de cacau no sul do Bahia, área que por muito tempo foi o centro cacaueiro do país.

Consuma localmente
A viagem em si é motivo o bastante para alguns questionamentos. É evidente que os alimentos produzidos e consumidos em curta distância são mais sustentáveis à medida que a energia desperdiçada e os poluentes gerados com o transporte representam um impacto ambiental significativo. A máxima consuma localmente tem uma boa razão para existir e para ser aplicada na prática. Não é à toa que a gente vê tanta campanha hoje em dia pedindo para que se consuma a fruta da época, por exemplo; ou seja, aquela que está sendo plantada e colhida mais perto de você, aí na sua zona climática.
Johan Six, estudioso e professor de agro-sistemas sustentáveis, um belga que vive em Zurich na Suíça, portanto bastante familiar com a cultura do chocolate, entende que idealmente o chocolate deveria ser processado em áreas próximas a seu cultivo. É totalmente insustentável o fato de o cacau sair do Brasil, ser processado numa terra longínqua e voltar aos consumidores brasileiros em forma de um produto excessivamente caro. Mas ele reforça que esta seria apenas uma entre outras mudanças necessárias para tornar o cultivo do cacau e a produção do chocolate mais sustentáveis e, por tabela, um prazer menos culpado para seus ávidos consumidores.
Menos, por favor

Para efeito ilustrativo, Six compara a produção do chocolate à da carne. Nos dois casos, o estudioso crê que uma diminuição no consumo aliviaria consideravelmente os efeitos negativos ao planeta. Entenda que ele tem em mente um país como a Suíça onde se consome 12 kg de chocolate per capita anualmente. Claro que mesmo usando a Suíça como exemplo, em termos de irracionalidade e quantidade é difícil bater a agropecuária. Mas isso é tema de outro post. Aguarde!
Chocolate é alimento?
Carne e chocolate? Há quem conteste a analogia por considerar que chocolate não seja de fato alimento. Afinal, chocolate traz algum benefício para a saúde? Muitos estudos têm sido feitos ao longo dos anos e o que foi possível observar até o momento é que os flavanoides, um componente bioativo encontrado na parte sólida do cacau ( a amêndoa, ou semente) teria a propriedade de relaxar as paredes das veias e estimular o fluxo sanguíneo para o cérebro, portanto seria importante na prevenção de doenças cardiovasculares, por exemplo. Alguns testes clínicos estudam o efeito desse componente usando-o em altas concentrações em cápsulas, o que também evitaria os efeitos indesejáveis dos outros ingredientes que compõem uma barra de chocolate como a manteiga (ou gordura) de cacau e aditivos utilizados para processar o chocolate, além de açúcar e aromatizantes.

Como o chocolate mais escuro é em geral o que tem mais concentração da parte sólida, onde os flavanoides são encontrados, acaba sendo o mais indicado. Mas veja que alguns alcalinos, usados para processar o cacau, podem reduzir a quantidade de flavanoides mesmo do dark chocolate e além disso a presença de leite, gorduras e açúcar pode acabar neutralizando ou impedindo os benefícios prováveis com um montão de calorias extra que resultam dessa mistura.
Responsabilidade Social

Alimento ou não, nosso prazer em saborear chocolate movimenta um mercado estimado em cerca de 98 bilhões de dólares por ano, segundo o World Atlas. Algo impossível de ignorar. Se por um lado isso assusta, por significar que mais e mais empresas queiram um naco desse montante, por outro, com o crescimento do consumo consciente, muitas das grandes indústrias de chocolate já promovem formas mais sustentáveis de produção até mesmo para protegerem o bom nome de seus empreendimentos. E entenda que assumindo a chamada responsabilidade social , essas empresas não estão simplesmente sendo boazinhas mas adicionando valor à sua imagem corporativa.
O difícil é, dada toda a experiência negativa dos pequenos agricultores com corporações gigantes , acreditar que dessa vez vai ser diferente é sempre um desafio. A Cargill, uma das maiores multinacionais de alimentos do mundo, hoje tem parcerias com pequenos produtores, ONGs e governos em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, onde participa de dois programas no Pará e um no sul da Bahia
Os resultados ao que parece têm sido positivos para os envolvidos. Mas é preciso monitoramento constante dessas parcerias, ou seja, quanto de fato estão cumprindo com sua parte e respeitando direitos dos pequenos produtores e de todos os trabalhadores envolvidos. Somente parceiros comprometidos com fair trade , comércio justo, podem realmente assegurar que o poderio dessas gigantes da indústria alimentícia não estejam explorando quem realmente produz o alimento.
Como consumidor, nossa parte é boicotar produtos que não levem isso a sério. E para fazer isso, a primeira atitude é de fato investigar a história da companhia que produz o chocolate que você consome. Chocolate produzido ao custo da exploração de trabalhadores e suas famílias e da destruição do meio ambiente pode ser amargo demais…
Viva a agrofloresta !

Há várias versões sobre o surgimento do chocolate, mas geralmente acredita-se que o cultivo do cacau e o uso do chocolate tenham quase cinco milênios de história, iniciada nas sociedades pré-colombianas da América Central. E há até quem acredite que o chocolate era uma bebida importante em algumas cerimônias sagradas.
Muito dessa bela imagem acabou se dissipando com uma outra mais próxima de nós: as histórias de coronéis corruptos e violentos nos romances de Jorge Amado. Não sem motivos, o cacau foi por muito tempo associado a um modelo de exploração agrícola colonial, ou seja, uma monocultura ocupando grandes porções de terra, onde o lucro se concentra nas mãos de poucos.
Felizmente há outros modelos que se encaixam muito bem ao plantio do cacau, como a agrofloresta. Nesse sistema, há uma integração intencional de certas árvores e arbustos e é justamente essa diversidade que garante a sustentabilidade das espécies vegetais e animais escolhidas . Mais ou menos como aconteceria numa floresta. Esse método alia agricultura tradicional de vários povos do mundo a conhecimentos científicos sobre a fisiologia das plantas e de como interagem com a fauna local. Trocando em miúdos, o cacau pode crescer à sombra de outras árvores frutíferas ou que geram madeira, por exemplo. Dessa forma, pequenos agricultores têm uma opção maior de cultivos.

Na prática, além de tornarem o cacau um cultivo de longo termo, portanto mais sustentável, os sistemas de agrofloresta são muito benéficos para o meio ambiente porque auxiliam na proteção do solo e das microbacias e na recuperação dos solos degradados. A agrofloresta é uma das manifestações da agroecologia, que é ao mesmo tempo disciplina científica e prática agrícola assim como um movimento social e político. A agroecologia busca soluções para os desafios da produção agrícola respeitando os saberes tradicionais e os integrando aos novos conhecimentos científicos para produzir agricultura sustentável em todos os níveis, ou seja, ambientais, econômicos e sociais.
Resumindo, para que o chocolate seja sustentável, muita coisa vai ter de mudar…
Selma Vital
Algumas fontes:
https://www.ethz.ch/en/news-and-events/eth-news/news/2013/11/is-chocolate-sustainable.html
http://organicoscuram.com.br/quais-as-diferencas-entre-agroecologia-agricultura-organica-agrofloresta-e-permacultura/
http://link.springer.com/article/10.1051/agro/2009004