Para quem acredita que com um simples tutorial do youtube a gente pode fazer qualquer coisa na vida, pode ser fácil se convencer de que é possível, sim, construir uma casa para morar com sua família e ser feliz para sempre. Ainda mais quando se pode baixar um guia muito instrutivo com o passo a passo. Que tal?

Pode até ser fácil. Mas é sempre bom suspeitar dos milagres do ‘faça você mesmo’, principalmente porque levantar uma habitação demanda mais tempo e implica em mais riscos do que construir a mesinha de centro com caixote de feira. Construir uma casa é algo mais profundo que um projeto de fim de semana. E bem mais desafiador!

Tudo isso é verdade. Por outro lado, com informação e o apoio de uma comunidade de amigos e colaboradores a chamada bioconstrução tem demonstrado que o tal sonho da casinha de sapé é viável e, melhor, sustentável. Na dúvida, o ideal é investigar e aprender com quem está seriamente envolvido nessa nova onda e de fato entender, de uma vez por todas, que bioconstrução não é uma onda e muito menos nova.

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Casa na Polônia, construída em COB por construtor experiente e inspirada pela paisagem local.
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Interior da casa, que privilegia a vista. COB dá a oportunidade de se trabalhar com formas inusitadas, como a dessas janelas.

Afinal, o que é bioconstrução?

De forma resumida, pode-se dizer que a bioconstrução é um conjunto de técnicas e métodos de construção que se guiam pelo respeito à natureza. A preocupação ecológica está presente desde a concepção da obra até a forma como a casa vai ser utilizada e habitada depois de pronta. O mais interessante é que muitas dessas técnicas são milenares. A diferença é que agora elas podem ser aliadas a inovações tecnológicas e a outras descobertas que ensinam como potencializar os seus efeitos positivos e neutralizar o impacto sobre o meio ambiente em todo o processo de construção. Além disso, o compromisso ecológico não termina com o fim da obra, muito ao contrário.

 

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Casa em ecovila do Missouri, outro exemplo de uma construção COB, com piso de terracota. Foto: Ziggy Liola, 2011

 

Cada detalhe deve ser considerado, desde a origem do material que vai compor paredes, chão e telhado até a gestão e economia de recursos como água e energia elétrica, passando por climatização da casa e reaproveitamento do lixo. No entanto, cada região e terreno têm suas próprias peculiaridades, assim uma técnica pode funcionar melhor que outra em lugares distintos, dependendo do tipo de solo, do clima e da velocidade dos ventos, por exemplo. Entre as técnicas e materiais mais conhecidos estão:

  • COB (em que se moldam as paredes com uma mistura de barro)
  • Super Adobe (sacos cheios de terra preparada e empilhados)
  • Tijolos de Adobe (técnica menos poluente de fabricar tijolos)
  • Taipa (de mão e de pilão: também conhecido como pau a pique em que o barro preenche estrutura de madeira))
  • Solocimento ( mistura de solo e cimento, em que o solo local entra em maior proporção e por isso é mais ecológico)
  • Fardos de palha (blocos de palha devidamente selecionada que geralmente se erguem sobre fundação de madeira ou concreto)

 

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Instituto de Permacultura da Bahia, 2011. Grupo empilha os sacos de terra já previamente preparados.
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O Superadobe facilita o formato redondo das casas.

 

Mas antes mesmo de saber onde você vai levantar sua morada e qual técnica vai ser a principal na sua construção, é preciso se fazer algumas perguntas para ter certeza de que isso é mesmo pra você. Escolhemos aqui apenas 6 delas:

1. Por que você quer construir sua própria casa?

Se tudo o que você quer é ter uma casa com baixo custo, talvez a bioconstrução não seja exatamente o que você busca. Embora a experiência demonstre que bioconstrução pode ser mais econômica do que a construção convencional, o envolvimento é muito mais intenso. Há pouca mão de obra especializada até este momento; isso significa que as bioconstruções são na maioria das vezes orientadas por pessoas que já construíram e auxiliadas por gente que está tentando aprender ao participar e ajudar na sua obra. Demanda muito empenho pessoal. Se custo for seu único motivo, melhor buscar outras opções.

2. Onde você quer construir?

Quase todos os exemplos de casas construídas dentro dos parâmetros da bioconstrução parecem ser em áreas rurais ou semi-rurais, ou seja, longe dos centros urbanos. Isso acontece, em geral, não só pela falta de terrenos livres em áreas densamente povoadas e pelo alto preço dos que ainda podem ser comprados, mas também porque um dos princípios da bioconstrução é exatamente utilizar materiais disponíveis na área em que a edificação vai ser erguida, algo mais complicado numa cidade. De qualquer forma, seja onde for, é preciso verificar a legislação local no que se refere a licenças e alvarás, antes de dar início à sua obra. Além do aspecto legal, para a bioconstrução é muito importante que se escolham técnicas e materiais adequados ao clima. Uma opção pode ser perfeita para uma casa no Nordeste enquanto desaconselhada para uso no Sul, por exemplo.

3. Quem vai morar na casa?

Quando se constrói pensando nas pessoas que vão viver na casa e viver a casa, fica mais fácil determinar o que você realmente precisa. Procure também levar em conta o espaço para o convívio social, uma vez que trata-se de um projeto que envolve pessoas desde o princípio. Uma casa pode refletir sua filosofia de vida.

4. Quanto tempo você pode investir no projeto?

Como já foi alertado, a bioconstrução requer compromisso. Idealmente, é preciso estabelecer um cronograma e organizar de forma realista como o trabalho vai ser dividido ao longo dos dias, de onde vem o material e toda a logística para a etapa básica da obra. Para toda a parte em que você vai ter de contar com trabalho especializado, também é importante saber da disponibilidade desses profissionais e agendar seus serviços com antecedência.

5. Com quantas pessoas você pode contar para ajudar na construção?

Se for possível envolver parentes e amigos próximos, melhor, afinal, nada como ter pessoas que você gosta envolvidas em um projeto importante na sua vida. E lembre-se de que muita gente vai estar disposta a se voluntariar nesse tipo de projeto também. É comum que um voluntário queira aprender antes de construir sua própria casa, assim como é usual que você depois ajude se voluntariando para ajudar estas e outras pessoas. Esse é o grande diferencial que um projeto comunitário oferece: a solidariedade. Hoje há arquitetos especializados em bioarquitetura e como na arquitetura convencional é preciso escolher um profissional bem recomendado e em quem você confie.

6. Como posso aprender?

Este post pode servir como inspiração. Além do manual que você vai poder baixar e dos vídeos, fica a sugestão para entrar em contato com pessoas que estejam se utilizando da bioconstrução em algum lugar do país e do mundo. Ofereça algumas horas da sua semana como voluntário, participe do maior número de construções possível antes de iniciar a sua. Além disso, hoje há bons cursos em bioconstrução, especificamente, ou em permacultura, que muitas vezes incluem as técnicas mais conhecidas. A auto-capacitação é o caminho nesse caso e o mais gostoso é que você vai poder compartilhar e multiplicar esse conhecimento depois e, quem sabe, passar as técnicas para as próximas gerações.

 

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Casa em COB, na costa oeste americana, com pedras. Foto: Gerry Thomasen, 2007.

 

Para saber mais…

Se você já se decidiu a adotar a bioconstrução para sua nova casa ou quer seriamente investigar essa possibilidade, baixe aqui o Curso de Bioconstrução, do Ministério do Meio Ambiente. Trata-se de um manual explicativo com exemplos, que foi lançado em 2009 para acompanhar cursos presenciais. Ainda hoje o material tem sido divulgado por ser relativamente acessível e abrangente. É um ótimo lugar para começar!

Veja o vídeo Casa Sustentável em que a jornalista Giuliana Capello mostra a casa que construiu, e onde morava à época, usando várias das técnicas de bioconstrução. O vídeo, de menos de 10 minutos, é um exemplo de que em alguns casos você pode misturar as modalidades e não necessariamente fechar com apenas uma técnica ou material. Ela também fala um pouco de banheiro seco e captação de água da chuva.

Pra quem perdeu nosso post de abril, confira: Bioconstrução: El Barro, las manos, la casa… , com link para parte de um documentário sobre COB, feito na Argentina. É uma lindeza só…

Os mais artísticos podem se aventurar moldando bancos, prateleiras e outros detalhes no interior das casas em barro. O uso de vidro reciclado, como garrafas, também ajuda a trazer cor e iluminação natural para dentro da casa.

Onde encontrar cursos, vivências ou oportunidades de voluntariado:

Há cursos com certa regularidade nas seguintes instituições e/ou grupos*. Assegure-se de conhecer melhor cada organização e sempre que possível procure saber da experiência de outras pessoas que já fizeram seus cursos:

IPEMA Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, Ubatuba , SP

http://ipema.org.br

Morada Natural , Conceição do Rio Verde, MG

http://moradanatural.com.br

Tibá – Tecnologia Intuitiva e Bioarquitetura, Arraial do Cabo, RJ (e projetos itinerantes)

http://www.tibarose.com/port/home.php

Espaço Rosa dos Ventos Permacultura, São Thomé das Letras, MG

https://www.facebook.com/espacorosadosventos/

Instituto Pindorama, Nova Friburgo, RJ

http://novo.pindorama.org.br/index/?folder=index

Instituto Arca Verde, São Francisco de Paula, RS

http://www.arcaverde.org/new/

Nova Oikos, Camboriú, SC

https://novaoikos.org/

Ecovila da Montanha, Chapada dos Veadeiros, GO

http://ecoviladamontanha.org/bioconstrucao/

Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa, Bagé, RS

http://www.ipep.org.br/

Aqui alguns exemplos de construção com fardo de palha, que usualmente são encaixados em esquadrias de madeira ou bambu.

 

*Horizonte Sustentável não se responsabiliza pela qualidade e idoneidade dos cursos ou das instituições. Por favor, exerça sua capacidade de discernimento. O site não recebe nenhum benefício financeiro das entidades listadas aqui.