A chave para mudar o mundo pode estar no seu quintal. Conheça Minha Sampa, a iniciativa que aposta na mobilização local para transformar a política cotidiana que afeta a todos, e saiba como multiplicar essa ideia.

Enquanto 2016 foi ano de grande turbulência política, no Brasil e no mundo, também demonstrou que as ações locais têm mais fôlego do que se acreditava. Um pequeno retrospecto nas matérias deste site pode dar uma boa ideia disso. A maioria fala de conquistas obtidas por movimentos de cidadãos comuns que, aos poucos, têm conseguido melhorar o lugar onde vivem. São grupos em São Paulo que se ocupam do espaço público com carinho e dedicação, recuperando áreas degradadas, cultivando hortas urbanas, plantando árvores nas calçadas e orquídeas nas marginais dos rios, ou protegendo águas e nascentes. E mesmo longe da grande metrópole, onde os holofotes raramente se demoram, jovens do Tocantins promovem cultura e lazer nas praças para e com seus vizinhos.

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Peça de divulgação de uma das vitórias obtidas pelo Minha Sampa

As estratégias são variadas, mas têm em comum a ação local e iniciativas independentes da máquina do estado ou do capital de grandes corporações. Nesse espírito nasceu há dois anos em São Paulo a Minha Sampa, uma ONG que se propõe a desenvolver tecnologias e oportunidades de mobilização à sociedade, para que as pessoas possam atuar em seus municípios. “No início as mobilizações eram mais ações online, mas percebemos que isso não seria suficiente para alcançarmos nossos objetivos”, conta Leonardo Milano, da equipe do Minha Sampa. “Hoje vamos além da petição online. Fazemos a entrega das petições, chamando com isso a atenção da mídia e do poder público, fazemos manifestação de rua e empreendemos uma série de outras táticas”, explica. Entre elas, ele cita, por exemplo, chamadas para que as pessoas exerçam pressão em favor de uma causa, seja comentando na página de Facebook dos políticos ou ligando para os seus gabinetes. O desenvolvimento de cada ação é monitorado de perto, do começo ao fim.

Em dois anos de trabalho, eles têm tentado diversificar mais e mais o leque de ações e de táticas de engajamento, sempre facilitando ao máximo a participação das pessoas e promovendo cada ação dentro de um objetivo bem específico. “Uma das grandes novidades de grupos como o Minha Sampa é a ênfase em mudar uma cultura política fortemente arraigada na sociedade brasileira que responsabiliza o governo por tudo o de bom e de ruim, sem perceber que sua própria participação e vigilância podem mudar o rumo das coisas”, ele explica.

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Para promover um trabalho de mudança na cultura política da cidade, no entanto, é preciso mobilizar as pessoas em torno de uma causa e, segundo Leonardo, não se pode fazer isso sem informação. “Temos de dar nomes aos bois, dizendo o que compete à prefeitura, ao governo do estado de SP ou ao federal. Vivemos um momento de extrema polarização política, o que prejudica um pouco nosso trabalho, porque tentamos justamente romper com isso e gerar um debate sobre políticas públicas, mais do que sobre ideologias ou partido político. Mas São Paulo tem um potencial enorme e tem muita gente aqui que quer transformar a cidade”, ele garante.

Nesse curto tempo de vida o Minha Sampa já obteve muitas vitórias em áreas distintas. Evitaram o aumento de salários do Tribunal de Contas do Município, que causaria um rombo de 14 milhões de reais aos cofres da cidade; apoiaram com sucesso o projeto da Prefeitura de abertura da Avenida Paulista aos pedestres e bicicletas todo domingo, e foram fundamentais para a criação de uma delegacia da mulher que atendesse 24 horas por dia. E essa é só uma amostra das várias frentes em que obtiveram vitórias .

 

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Vitória: Paulista aberta. Foto: Heloísa Ballarini/SECOM PMSP

 

Apesar de ter uma equipe fixa pequena (5 pessoas), o Minha Sampa se envolve em múltiplas causas simultaneamente. Neste momento, estão às voltas com a luta para preservar nascentes e prédios históricos que podem ser destruídos pelos interesses de grandes empreendimentos imobiliários e com a defesa da permanência do evento Virada Cultural, que já se tornou clássico na capital paulistana, por exemplo .

Algumas ações são mais visíveis e populares, o que não impede que se envolvam em causas mais complexas como a exigência de que o prefeito eleito de São Paulo, João Dória Jr., mantenha o mesmo status da Controladoria Geral do Município (CGM). E aí entre a importância de informar e esclarecer os cidadãos, pois é preciso que as pessoas entendam que o CGM é um órgão importante para o combate da corrupção na cidade e crucial para o a transparência e o controle sobre os gastos e negócios da prefeitura. Graças a esse tipo de iniciativa, muita gente que não fazia ideia da existência do CGM aprendeu sobre sua importância e agora se engaja em sua defesa.

Quem está por trás de tudo isso?

A atual diretora executiva e fundadora do Minha Sampa, Anna Lívia Arida, desenvolveu o grupo a partir de um modelo bem sucedido do Rio de Janeiro, o Meu Rio. Para replicar a ideia em terras paulistanas, ela contou inicialmente com um investidor Anjo (saiba mais sobre Anjos do Brasil), uma iniciativa de captação de recursos para startups. Hoje, o grupo se mantém majoritariamente por doações de fundações nacionais e internacionais por meio da Rede Nossas Cidades (leia sobre a Rede mais adiante) e seu estatuto proíbe aceitar contribuições de partidos políticos, governos e empresas públicas. As contas da organização são abertas e a meta é que um dia possa se manter 100% com doações de voluntários e cidadão comuns, uma prática já bastante usual nos EUA e em boa parte da Europa.

Assim como Anna reproduziu a iniciativa carioca em São Paulo, outras cidades logo perceberam que podiam (e precisavam) estabelecer um canal similar em suas cidades. Foi por causa disso que surgiu a Rede Nossas Cidades, formada inicialmente pelo Meu Rio, Minha Sampa e Meu Recife, que oferecem treinamento, suporte para promoção de crowdfunding e ferramentas online para atuação e mobilização. Hoje além das três fundadoras, já existem sete outros grupos em cidades como João Pessoa, Minha Jampa, e Minha Porto Alegre até Meu Oiapoque! Quem quiser replicar este modelo em sua cidade deve passar por critérios de seleção estabelecidos pela rede e, se aprovados, recebem treinamento na sede da organização no Rio de Janeiro.

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Ao se tornar parte do Nossas Cidades, o grupo passa a ter direito a usar sua trademark, que já começa a ser reconhecida.

A Rede Nossas Cidades tem como missão ‘construir’ cidades mais justas, inclusivas, sustentáveis e agradáveis de se viver e tem entre seus princípios o apartidarismo, o pacifismo, a transparência e o respeito aos direitos humanos. “Com o Nossas Cidades trocamos experiências, aprendizados, informações e a partir daí tentamos melhorar nosso trabalho. Mesmo cidades com perfis e problemas diferentes podem aprender umas com as outras”, conclui Leonardo. Além de visitar a página de Facebook, é possível doar para o Minha Sampa por meio deste link aqui. Tremenda boa ação de Natal e de Ano Novo!

Aqui e agora

O economista e professor Ladislau Dowbor, em seu artigo O Poder Local para a revista Pise a Grama, resume: “O cidadão que vive num bairro que não lhe agrada pensa em mudar de bairro ou até de cidade, mas não pensa muito na possibilidade e no seu direito de intervir sobre o seu espaço cotidiano, de participar na criação de uma melhor qualidade de vida para si e para sua família”. Vale a leitura completa do artigo, e de fato de toda a última edição da Pise a Grama cujo o tema é autogestão.

De alguma forma, o Professor Ladislau  aponta como possível saída um pouco do que as organizações da Rede Nossas Cidades vêm fazendo: “É falso o profundo dilema que muitos se colocam segundo o qual o apoio das administrações locais aos movimentos comunitários constitui uma forma de cooptá-los. Nesse plano, não funcionam nem a espontaneidade total, nem o autoritarismo. É preciso simplesmente que se jogue com as cartas na mesa – a administração expondo suas propostas como poder constituído, a comunidade negociando os seus interesses com clareza. E não há fórmula predeterminada”, ele avalia.

Engajar-se seriamente numa ação para transformar seu bairro ou sua cidade pode ser uma grande resolução de ano novo. E que tenhamos todos, em 2017, cidades mais felizes!

Veja o vídeo de fundação do Nossas Cidades