Começo o ano escrevendo esta singela cartinha aos leitores que continuam apoiando este site. Seu apoio, acredite, é o que ainda o mantém no ar! E como prova de gratidão juntei três histórias protagonizadas por idealistas que buscam soluções criativas para uma vida mais sustentável e com mais justiça social.

Queridos leitores,

Aqui quem lhes escreve é Selma Vital, editora teimosa deste site iniciado em 2016. Com quase dois anos de vida, o site teve de se adaptar a metas mais modestas, sem nunca se desviar do objetivo primeiro: trazer textos de conteúdo, escritos e apurados com cuidado, e relevantes dentro da conversa sempre em evolução sobre sustentabilidade no dia a dia.

Para ser viável sem descaracterizar sua razão de existir, e num mundo em que há tantos outros sites interessantes e mais famosos, sua sobrevivência é incerta, sempre na berlinda. Os obstáculos são muitos: entrevistados que ignoram pedidos de entrevista porque, afinal, o site não é famoso e nossos leitores são poucos; necessidades mais urgentes dessa que lhes fala que tem de ganhar a vida; e muitas vezes a resistência de pessoas desacostumadas a ler textos considerados longos para os padrões atuais.

Mas a recompensa também é grande! Uma das maiores é saber que em meio a todas as notícias terríveis há sempre alguém, em algum lugar, com disposição para continuar a luta por uma vida mais digna e feliz para todos, com menos impacto no nosso combalido planeta.

A seguir três bons exemplos disso para nos servir como motivação. Se você já sabe sobre essas iniciativas que foram muito celebradas em 2017, vale a pena relembrá-las, e se não as conhece tem de aproveitar o comecinho de um novo ano para se maravilhar com elas e com os seres humanos por trás de cada projeto. Inspire-se!

Litro de Luz

O nome diz tudo, ou quase tudo. Em 2002 , o mecânico mineiro, Alfredo Moser, encontrou uma maneira de iluminar sua casa depois de uma sequência de apagões. Dentro de uma garrafa plástica de dois litros, ele misturou água e alvejante e ta-dá fez-se a luz. Bem, ele deve ter levado um tempo com os ajustes, quantidades, mas de qualquer maneira conseguiu iluminar a parte interna de sua casa, espalhando as garrafas devidamente preparadas, que refletem a luz do sol. O alvejante impede que água fique esverdeada.

 

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Alfredo Moser e seu invento.

 

A ideia, na época chamada de “lâmpada engarrafada”, foi parar na casa de muitos vizinhos do Sr. Alfredo e até na Globo, o que causou certo alvoroço. Mas, literalmente, ganhou o mundo depois que o ativista filipino Ilac Diaz , presidente da My Shelter Foundation, tomou conhecimento do feito e o ampliou com a criação da ONG Liter of Light (Litro de Luz), em 2012. A fundação promove projetos sustentáveis de baixo custo e inspirada pela invenção do brasileiro foi em busca de outras soluções para a escassez de energia elétrica em várias partes do mundo.

Hoje a Litro de Luz opera em mais de 20 países, incluindo o Brasil, e além da lâmpada que ilumina ambientes internos durante o dia, há quatro outras soluções que estão sendo levadas a mais de 6000 pessoas. Entre essas , lâmpadas noturnas, postes e lampiões. Algumas dessas soluções servem agora ambientes externos e áreas públicas. Todos os projetos têm em comum o uso de garrafas PET.

Para saber mais sobre o trabalho deles, as novas soluções, oportunidades de voluntariado e doação, visite o site da Litro de Luz.

Para ver a ideia sendo usada numa comunidade do Chile, veja esse vídeo curtinho

E este outro vídeo mostra a ação de voluntários da ONG instalando postes de iluminação púlbica em uma comunidade pobre de São Paulo.

Garrafas no deserto

Outra invenção muito legal também envolve garrafas plásticas, mas vem de terras bem mais longínquas: o deserto do Saara. Lá Tateh Lehbib Breica, um sarauí, povo do oeste do Deserto do Saara, teve a brilhante ideia de construir uma casa com garrafas plásticas recolhidas no entorno do campo de refugiados em que vive, em Tindouf, Argélia. O campo de refugiados, talvez o mais antigo do mundo (formado depois da Guerra do Saara do Oeste, em 1975), sofre muito com as intempéries do deserto. São comuns tempestades fortíssimas e temperaturas que chegam a 45 graus.

Em um dos temporais, em 2015, milhares de pessoas perderam suas casas. Entre elas, a avó de Breica. Foi para ela que ele construiu uma casa usando 6000 garrafas plásticas cheias de areia e palha. As garrafas são então empilhadas e unidas em formato redondo e recobertas com cimento ou calcário. A aerodinâmica da forma circular e o material têm se mostrado mais resistente aos temporais de chuva e de areia.

 

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Breica chegou a ser chamado de  “o louco das garrafas”enquanto recolhia as 6000 garrafas para construir a casa de sua avó.

 

O projeto de Breica, que se formou em energia renovável na universidade e teve a oportunidade de estudar por um tempo nas Ilhas Canárias, graças a uma bolsa de estudos, não somente apresentou uma solução para casas adaptadas às condições climáticas da região, como ainda resgatou da natureza as milhares de garrafas abandonadas por toda parte. De acordo com a National Geographic, 80% das garrafas plásticas recicláveis acabam em aterros sanitários e, vale lembrar, o plástico leva centenas de anos para se decompor. Alguns cientistas afirmam que boa parte nunca se degrada inteiramente.

 

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Uma das casas de garrafa, quase prontas.

 

Por tudo isso, o projeto foi selecionado pelas Nações Unidas para receber fundos para a construção de 25 novas casas espalhadas por cinco campos da região. Segundo Breica, a iniciativa também cria empregos, porque é preciso mão de obra para a coleta e transporte das garrafas, para a preparação de cada uma e depois para montar as estruturas e recobri-las, ou seja, a construção propriamente dita.

Hortas de Maringá

Ideias inovadoras são mesmo inspiradoras. Mas às vezes as soluções são antigas e por razões diversas foram abandonadas ao longo do tempo. Quando a gente pensa em cidade e urbanismo, isso fica ainda mais claro. Pois bem, cultivar hortas não é uma atividade nova. Só que acabou sendo relegada às áreas rurais e passamos a ver alimentos como hortaliças, ervas e legumes como produtos em embalagens de supermercado.

Felizmente, as hortas têm sido redescobertas, como já vimos em outros posts por aqui. A maioria delas surgiu em iniciativas coletivas independentes do poder público. Algumas, como as mais de 30 que hoje se espalham na cidade paranaense de Maringá, têm as bênção e a infraestrutura oficial, por meio da prefeitura. Este ano o projeto celebra 10 anos e ocupa terrenos antes abandonados para produzir alimentos que são comercializados localmente e para restaurantes.

 

Trata-se de uma parceria entre a prefeitura e Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana da Universidade Estadual de Maringá (Ceraup/UEM) que hoje envolve cerca de 800 famílias. Sem uso de agrotóxico e com todo o apoio como mudas, adubo e suporte técnico, as famílias interessadas podem se inscrever nos postos de saúde ou junto às associações de bairro e são avaliadas, de acordo com seu nível de interesse e compromisso, uma vez que há lista de espera para as hortas. O único custo para os hortelões é uma taxa de uso da água.

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O premiado projeto tem ajudado na renda familiar de várias pessoas, muitas delas aposentadas que com a atividade encontraram ainda a oportunidade de se exercitar, fazer novos amigos e melhorar a auto-estima. Tudo isso já tem refletido em diminuição no uso dos serviços médicos da cidade .

Que neste ano possamos colecionar mais e mais histórias que inspirem e semeiem esperança. E se possível que possamos fazer parte delas como personagens ativos.

Feliz 2018!

Créditos das fotos na ordem em que aparecem:
Destaque: John P. T Fernandez/CCOlicense; Globo; Tateh Lehbib Breica-Twitter;Prefitura de Maringá; Maringá.com
As informações foram compiladas de notícias dos três projetos citados, na mídia nacional e internacional.