Reportagem

Venha conhecer e fazer parte de uma revolução, nem tão silenciosa, que está invadindo as ruas, ou melhor, as calçadas de São Paulo e lentamente enchendo de árvores a tal selva de pedra.

Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo (A Complicada Arte de Ver, Rubem Alves)

Três posts deste jovem blog foram dedicados à arborização urbana, uma ideia tão boa que só uma pessoa ranheta como aquela vizinha de Rubem Alves poderia discordar. Mas entre apoiar uma ideia e colocá-la em prática — meus caros leitores sabem — há uma enorme diferença. Na série publicada aqui em Horizonte Sustentável, falamos primeiro sobre o manual da prefeitura paulistana (reveja o post). Depois, discutimos que tipo de árvore, nativa ou exótica, devemos escolher para o plantio na cidade (se perdeu, leia o segundo post aqui). E, por fim, listamos oito boas razões para ter árvores no espaço urbano. De quebra, compartilhamos uma animação francesa bem bonita (post e vídeo bem aqui!).

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Uma das novas árvores plantadas como parte do curso de plantio

Apesar de todos os argumentos e a boa intenção dos artigos, faltava encontrar alguém que estivesse, de fato, levando a coisa a sério, ou seja, plantando árvores na cidade. Por isso, o próximo passo foi sentar sob a árvore da sabedoria e meditar… Bem, não exatamente. Para saber tudo sobre como plantar árvores na cidade acompanhei duas personagens que não são Buda mas estão de certa forma iluminando a vida de São Paulo com suas mudas, enxadas, picaretas, adubo orgânico e principalmente muita disposição.

Os meninos do dedo verde

Eles são o publicitário Nik Sabey,de 33 anos, criador da iniciativa Novas Árvores por Aí e o advogado Danilo ‘Jack’ Bifone, 39, idealizador do coletivo Muda Mooca. Nik começou a cultivar seu próprio viveiro de mudas ainda pequeno, primeiro na casa dos pais, depois na varanda de seu apartamento. Embora a prefeitura paulistana doe mudas a quem quiser plantá-las, a burocracia e o limite do número de mudas por munícipe estavam longe de atender às expectativas de Nik. Ele conta que para obter uma muda na capital paulistana é preciso ter o boleto do IPTU em seu nome (algo impossível para quem mora de aluguel) , o que lhe dá direito a retirar no máximo cinco mudas, mesmo que você viva 100 anos!

Munido de suas próprias mudas, ele saía plantando árvores em seu bairro, Brooklin, e além. Uns anos atrás, resolveu criar uma página no Facebook singelamente intitulada Novas Árvores por Aí  e com a criação da página sua paixão por árvores foi elevada a outro nível, pois entrou em contato com grupos como Fruto Urbano (Bauru), Muda Mooca e Mil Orquídeas Marginais . “Os grupos promovem plantio com frequência e com isso fui conhecendo muita gente e as parcerias foram se ampliando”, conta.

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Nik Sabey, dando o bom exemplo às crianças. Foto: Arquivo Pessoal

Longe do Brooklin, no tradicional bairro da Mooca, Danilo Jack, um outro plantador apaixonado, celebra a marca invejável de 20 anos plantando árvores, perto ou longe de casa. No princípio, também plantava de forma solitária e, mais curioso, à noite. Naquela época, Danilo conta, ele imaginava que plantar árvores nas calçadas era ilegal . Assim, enquanto os amigos da mesma idade saíam para as baladas, ele arborizava a cidade, como um tipo de vingador noturno!

A história de amor de Danilo com as árvores, hoje já bem conhecida, começa bem antes de suas atividades “clandestinas”. Quando era menino, foi chamado ao portão de sua casa para ser ‘patrono’ de uma arvorezinha plantada pela prefeitura em frente à sua casa. Ele levou o título tão a sério que quando a árvore adoeceu, depois de bem crescida, ele resolveu investigar todas as formas possíveis para salvá-la, feito que conseguiu em pelo menos uma ocasião. Da segunda vez, no entanto, a árvore teve de ser removida e para substituí-la ele plantou outra e outra e outra…E hoje já são 15 mil!

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Danilo Jack, plantador de árvore há 20 anos. Foto: Reinaldo Canato

Plantando a ideia

Mesmo com todo o esforço de Nik, Danilo e plantadores e plantadoras que têm ‘rearborizado’ a cidade, há ainda muito a fazer. Consciente disso, Claudia Visoni, conselheira do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável CADES, um conselho consultivo da prefeitura de São Paulo, (para saber mais sobre a Claudia veja a reportagem sobre coletivos aqui), promoveu recentemente um curso de plantio de árvores na cidade, no qual reuniu os dois plantadores, com introdução da engenheira agrônoma Tiana Moreira  . O curso se dividiu em duas partes: a primeira, teórica, na subprefeitura de Pinheiros, numa insuspeita quarta-feira à noite; e a segunda, prática, na Antônio Bicudo, uma das ruas do bairro, em pleno domingo ensolarado.

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Adenair: plantio para inspirar os netos

A aula teórica reuniu mais de uma centena de pessoas, a maioria, mesmo os que não voltariam para a parte prática, saiu de lá com uma muda de presente para a tarefa de casa, ou se preferirem, tarefa de rua. Entre os cerca de 40 alunos que apareceram para a aula prática, estava Adenair Ramos, aluna aplicada que disse ter encontrado no curso a oportunidade que procurava de contribuir voluntariamente com uma boa causa e inspirar os netos. “Eu ajudei em todo o processo, inclusive quebrando a calçada” orgulhava-se.

Perto dela, a arquiteta Débora Fonseca, 33 anos, encarava uma enxada cavando o “berço” onde seria plantada mais uma árvore para a cidade e a primeira de sua vida. Era quase 1 da tarde e ela, ao lado do namorado  e outros colegas do curso já haviam quebrado uma calçada muito dura. Aliás, segundo o expert Danilo, quem passasse pela prova daquela calçada estaria pronto para qualquer outra!

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Débora cava o berço para sua primeira árvore

Débora certamente passou no teste. Para ela, a aula teórica foi bastante esclarecedora: “Mesmo com o pouco tempo que tivemos, os palestrantes puderam desfazer diversos mitos em relação ao plantio de árvores na cidade, ofereceram informação técnica além de uma boa dose de motivação. O Danilo e o Nik certamente contagiaram a mim e aos demais com suas experiências”. O dia do plantio a surpreendeu por ter atraído um grupo maior do que ela esperava e também por mostrar “boa energia entre pessoas tão diferentes, desconhecidas, trabalhando juntas”.

“O plantio envolve várias etapas e tem espaço para todo mundo participar”( Débora Fonseca, arquiteta)

Em boa forma física, as sessões de picareta não assustaram Débora. Além disso, ela lembra: “Os instrutores nos orientaram sobre segurança e ergonomia no uso das ferramentas, então não foi tão dramático”.  Mas admite que no dia seguinte tinha algumas bolhas nas mãos e os pulsos doloridos. Ainda assim, garante : “A sensação é muito boa e recomendo muito a todos, não apenas aos aptos ao trabalho pesado. O plantio envolve várias etapas e tem espaço para todo mundo participar”, anima-se. Ela já planeja continuar plantando árvores. “A princípio penso participar de grupos existentes, até para ganhar um pouco mais de segurança e experiência. Futuramente penso em organizar um novo grupo de plantio.  Ainda que os resultados sejam lentos e as ações bastante pontuais, me parece importante fazer parte desse movimento e animar outros a fazer o mesmo”, acredita.

“A grande dificuldade não é quebrar calçada e plantar, mas mudar a mentalidade das pessoas”(Danilo Jack)

E, sem dúvida, isso ela já conseguiu . Afinal foi graças ao entusiasmo dela que seu namorado, Pedro Bopp, designer gráfico de 43 anos, compareceu à aula prática do domingo, mesmo sem ter ido à aula teórica. “Eu sempre quis participar mais ativamente em melhorar a qualidade de vida da cidade e quebrar um pouco o cinza. Participar desse plantio foi incrível. O grupo tem uma vibe e índole ótimos. As decisões foram discutidas, pensadas e aprovadas. Toda ação do plantio foi dirigida pelo pessoal do Muda Mooca, com todo suporte, dicas básicas e acompanhamento”. O plano agora é incluir em sua agenda pessoal novos eventos como este: “O trabalho é duro mas a recompensa é excelente. Recomendo muito. Quanto mais pessoas tivermos, mais verde, bonita e oxigenada ficará a cidade!!”

Além de presentear a  cidade com sete novas árvores, o curso semeou uma ideia que já está germinando nos corações e mentes de um novo grupo de cidadãos. Afinal, como diz Danilo: “A grande dificuldade não é quebrar calçada e plantar, mas mudar a mentalidade das pessoas”. Estão lançadas as sementes para que um dia todos possam ver os ipês floridos belos, como realmente são.

Veja o que você sabe sobre o plantio de árvores na cidade

MITO OU FATO?

É ilegal plantar árvores na cidade. Só a prefeitura pode fazê-lo

MITO

Qualquer cidadão na cidade de São Paulo pode plantar árvores nas calçadas. Isso é legal. No caso de São Paulo, apenas deve-se seguir as especificações do manual da prefeitura .Por exemplo, a calçada deve ter no mínimo 1,90 de largura e é preciso que se reserve 1,20 para pedestres e cadeirantes.  É recomendável, porém, conversar com os donos da propriedade cuja calçada vai receber a árvore. Pode mostrar esse post pra eles e convidá-los para o plantio!

Qualquer pessoa pode plantar num parque ou praça.

MITO

Esse é um mito que tem trazido muitos problemas. Por ser mais fácil plantar na terra, muita gente planta árvores em parques e praças que já têm arborização planejada para determinado fim. Por exemplo, há parques cuja proposta é ter espaço para as crianças brincarem, outros devem ter quadras esportivas ou equipamentos de playground; outros, como a Praça do Pôr do Sol em São Paulo,  para se apreciar o pôr do sol. Além disso, dependendo da localização do parque ou praça, uma vegetação fechada pode causar insegurança. Por isso, faça o mais difícil e o que está dentro da lei: plante nas calçadas!

Nem toda árvore é adequada para as áreas urbanas.

FATO

Como já vimos no blog e como foi reforçado por Nik e Danilo, as árvores nativas devem sempre ter prioridade com relação às exóticas. Lembre-se que muitas espécies são invasoras e podem ser nocivas a outras plantas da região. Mas mesmo as nativas têm limitações. Siga o manual para saber exatamente que árvores são as melhores para a cidade. Nunca plante abacateiros, jaqueiras ou mangueiras. Guarde essas espécies para um sítio ou quintal. Há vários registros de pedestres sendo atingidos por essas “frutinhas” (muito mais do que você imagina) e, acredite, elas podem fazer um belo estrago. Seja consciente!

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Bananeira em plena calçada de Perdizes. Escolha uma árvore mais adequada para o plantio urbano, mesmo que adore bananas!

Os funcionários da prefeitura sabem plantar árvores; são treinados para isso.

MITO

Infelizmente, prefeituras como a de São Paulo contratam serviços terceirizados. Muitos dos funcionários nunca receberam treinamento adequado e, pasme, a maioria não segue o manual de especificações de plantio da própria prefeitura. Recentemente, o CADES, tendo à frente Claudia Visoni, promoveu um curso de plantio para alguns desses funcionários, um exemplo de parceria legal entre a comunidade e o poder público. Depois de aprender as regras do plantio, interfira sempre que vir um sendo feito de forma errada. Faça isso gentilmente que funciona

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A mureta, desaconselhada pela própria prefeitura, aqui  num bairro da Zona Leste, instalada por sua secretaria.

 

É preciso construir uma mureta ao redor da árvore para protegê-la

MITO

Dê uma olhada aí no seu bairro e eu aposto que vai encontrar a maioria das árvores cercadas por muretas. Embora a intenção seja proteger, essas muretas de fato prejudicam uma importante função da árvore que é absorver a água das chuvas e enxurradas. Esse papel é muito importante na prevenção de enchentes e evita que água contaminada pelo asfalto e outras impurezas vá parar nos rios. E mais: jamais aprisione suas árvores, permita livre acesso a pássaros, minhocas e insetos.

Dicas valiosas:

  • Plante em grupos. Hoje é possível encontrar vários por todo o Brasil. O próprio Danilo admite que cometeu muitos erros no passado que hoje podem ser evitados. Por isso, ele aconselha os plantios comunitários.
  • Não confie em serviços de poda e remoção de árvores A maioria vai remover uma árvore saudável sem hesitar e muitas vezes podar tanto uma árvore que pode matá-la. Só a prefeitura pode podar e remover árvores em áreas públicas e os cidadãos têm todo o direito de monitorar essa ação. E mais: cortar mais de 30% da copa de uma árvore é crime ambiental punível por lei.
  • Se estiver plantando uma árvore próximo a calhas, prefira as árvores de folhas grandes. Se caírem nas calhas, só as folhas miúdas vão ficar presas  e atrapalhar o fluxo da água.
  • Use adubo orgânico. A compostagem feita a partir de restos de comida pode ser uma maneira muito legal para obtê-lo.
  • Abandonar o entulho da calçada quebrada por lá depois do plantio é como jogar o bebê fora com a água do banho. Em São Paulo, pode-se descartar o concreto nos postos do Ecoponto, onde são aceitos até um metro cúbico de concreto por dia, por pessoas. Eis aí mais uma vantagem para o plantio comunitário.
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Ilustração retirada do Manual de Arborização Urbana da PMSP

Ferramentas necessárias

1 alavanca

1 picareta

1 chibanca

1 pá

1 enxada

1 vassoura

Se possível, 1 cavadeira articulada

Todo mundo deve ter no dia do plantio

Luvas de trabalho

Protetor solar

Chapéu

Sapatos fechados ou botas

Água para beber

Água para suas mudas (especialmente nesse período de seca)

Fotos: Selma Vital HS/ Foto em destaque: Árvores na Aricanduva, PMSP.