Periquitos, maitacas, maracanãs, papagaios… Conversamos com a bióloga e ornitóloga Raquel Colombo Oliveira sobre esses habitantes inusitados da cinzenta pauliceia. Prepare-se para aprender mais sobre eles e sair por aí, literalmente, vendo “passarinho” verde.

Selma Vital

Maracan∆-pequena (Diopsittaca nobilis) (12)
Maracanã-pequena. Foto: Raquel Colombo Oliveira
Entrevista

Nem todo mundo que vê passarinho verde em São Paulo ultimamente está apaixonado, como sugeria o dito popular. De fato, pelo menos no meu caso, depois de ouvir o alvoroço de um bando de periquitinhos que ocupavam uma árvore perto da minha casa, fiquei curiosa para saber mais sobre esse ‘fenômeno’.

Descobri que há mais de dez anos  eles já vêm chamando a atenção dos passantes e até mesmo da imprensa. Mesmo assim, achei que era tempo de investigar um pouco mais sobre eles. São periquitos, mesmo? São maritacas? Afinal, periquito grita?

E, mais, será que essa passarinhada verde da minha rua vem do Parque da Aclimação, que fica cerca de um quilômetro daqui, ou é atraída pelo jardim de uma empresa vizinha, que ostenta palmeiras e outras pequenas mostras da vegetação de Mata Atlântica?

Para me ajudar na tarefa, procurei o Centro de Estudos Ornitológicos e, por meio deles, cheguei a Raquel Colombo Oliveira, uma bióloga e ornitóloga que recentemente escreveu uma dissertação de mestrado (Ecologia de um psitacídeo introduzido em ambiente urbano), pela Unesp, de Rio Claro, SP, abordando  justamente  um desses bichinhos, a maracanã-pequena. Já de cara aprendi da expert a primeira lição: os tais passarinhos verdes não são passarinhos mas psitacídeos.

Ooops… Como assim? Então passei minha vida toda acreditando que eles eram pássaros?  Raquel explica que os psitacídeos são as aves da família Psitacidae e que incluem araras, papagaios, periquitos, maracanãs, maitacas…. As reticências aí são fundamentais porque, segundo a especialista, há 87 espécies diferentes no Brasil.  Em São Paulo, contando as que foram introduzidas , ou seja que não são originariamente daqui, são 14 espécies!  Assim, apaixonado ou não, chances há de que você vá ver muito “passarinho verde” em Sampa.

Há 87 espécies de psitacídeos no Brasil, 14 delas só na cidade de São Paulo

Simples mortais como eu costumam generalizar essas espécies sob uma forma popularmente conhecida como maritaca. “Meu palpite pessoal é que talvez queira dizer que qualquer ave verde e que grita seja maritaca”, diverte-se Raquel. Ela lembra que em “biologuês” não é correto dizer que essas espécies são pássaros por que não são “Passeriformes”, mas para ela mais importante que o uso da terminologia correta é divulgar a existência delas e aproximar o público do tema: “Particularmente não sou contra falar que eles são pássaros, não. Acho que é uma licença poética”, ela concede.

Graças à gentileza da Raquel, me senti menos ignorante e até um pouco poeta, mas como o melhor para quem é jornalista é aprender e informar seus leitores, com a entrevista a seguir podemos todos saber ainda mais.

RaquelColombo (1)
Raquel Colombo Oliveira, bióloga e ornitóloga: “…[U]m dos melhores lugares para ver e fotografar psitacídeos na cidade é o Parque do Carmo, na Zona Leste“. Foto: Silvia Linhares.
Por que essas  aves começaram a se destacar no cenário da cidade nos últimos anos? 
Raquel: Alguns novos personagens têm aparecido e permanecido nas cidades. Nas últimas décadas algumas espécies de aves têm sido introduzidas a partir do cativeiro ou de apreensões (polícia ambiental, por exemplo), por meio de escapes de gaiola ou solturas, como é o caso do papagaio-verdadeiro e da maracanã-pequena.
Em meu estudo, verifiquei que hoje essas duas espécies já estão entre os psitacídeos mais comuns e abundantes na cidade de São Paulo, só perdendo para o periquito-verde! Muita gente associa diversas dessas diferentes espécies de psitacídeos como se fossem uma só: as maritacas! Mas se repararem bem, vão começar a encontrar diferenças em tamanhos, formatos, cores e na forma de se comunicarem (suas vocalizações).
E se pode vê-los em qualquer parte?
Raquel: Em meu estudo notei que um dos melhores locais para ver e fotografar psitacídeos é o Parque do Carmo, na Zona Leste. Mas essas aves têm encontrado na cidade os recursos que precisam para sobreviver, utilizando a vegetação de parques e áreas verdes e a arborização viária para se alimentar. Elas têm encontrado também ambientes para se reproduzir, o que pode ocorrer em árvores ou em estruturas feitas pelo homem, como postes de luz e beirais de telhado.
Periquito-verde (Brotogeris tirica) (6)
Periquito verde se esbaldando de seu alimento favorito: o jerivá. Foto. Raquel Colombo Oliveira.
Onde eles fazem ninhos?
Raquel: Os psitacídeos, com exceção de uma espécie (caturrita, que não ocorre na cidade de São Paulo), não fazem ninho [de forma convencional] e utilizam cavidades naturais, como ocos de árvores. Os ocos de árvores costumam ser escassos e há competição de muitas aves por eles. Então encontrar ambientes para fazer ninho é bem importante para as aves que vivem nas cidades . O bom é que aprenderam a se virar com os recursos que têm.
Por isso as populações estão crescendo?
Raquel: Outros motivos de estarem aumentando em abundância é por encontrarem na cidade menos predadores do que no ambiente natural. Os principais predadores são gaviões e falcões, mas há também animais que predam ovos no ninho, reduzindo o “sucesso reprodutivo” das espécies – assim nascem menos filhotes e a população aumentaria mais devagar.
Não há estudos especificamente sobre isso, mas alguns ornitólogos associam a quantidade de jerivá (palmeira nativa da Mata Atlântica) que vem sendo bastante plantada na cidade, com o aumento na quantidade de psitacídeos, principalmente o periquito-verde (que se alimenta, entre outras coisas, do jerivá).
Vários dos posts do Horizonte Sustentável reforçam a importância do arborismo urbano. A presença de árvores é determinante para a sobrevivência desses pássaros? 
Raquel: Sim, a arborização urbana é  muito importante para a sobrevivência dos psitacídeos, pois eles se alimentam de frutos, sementes e flores. Estudando a população da maracanã-pequena na cidade de São Paulo, percebe-se que mesmo para uma espécie tão ligada ao ambiente urbano (como ela é!) a presença de áreas verdes e de arborização, seja como parques, praças, ou em ruas e jardins, se mostrou muito relevante para a ocorrência dela.
A presença de aves/ psitacídeos na cidade […] é importante para nos conectar com o meio-ambiente, para em meio à correria do dia-a-dia nos lembrarmos de dar valor a um ambiente equilibrado para todos os seres vivos e repensarmos nossas ações
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Em campo!  E de câmera em punho, claro! Foto: Arquivo Pessoal
É muito bonito ver os psitacídeos por aí mas, pragmaticamente falando, que  problemas e benefícios eles trazem para a cidade?
Raquel: Quanto aos problemas, alguns psitacídeos podem fazer ninho em telhados ou beirais de telhado e há relatos de algumas aves danificarem fiação elétrica nessas ocasiões. O ideal é que quem teve problemas desse tipo aguarde a saída dos filhotes e feche as aberturas do telhado com telas, ou outro tipo de vedação, para que não façam ninho novamente ali (que é o mesmo recomendado para quem tem problemas com morcegos morando no telhado! Espere até saírem e feche).
Há uma simpatia, em geral, com relação a essas aves porque têm um colorido bonito e porque muitas são capazes de imitar a voz humana, quando domesticadas, e aí vem o lado ruim dessa relação, porque pode também colocar muitas espécies sob riscos.
Entre os benefícios, podemos citar a sensação de bem-estar ao vermos uma diversidade de psitacídeos com diferentes cores e tamanhos, vivendo próximo da gente! A presença de aves na cidade também é importante para nos conectar com o meio-ambiente, para em meio à correria do dia-a-dia nos lembrarmos de dar valor a um ambiente equilibrado para todos os seres vivos e repensarmos nossas ações para isso.
Por fim, eles sofrem ameaças ou estão já bem estabelecidos e livres de maiores riscos?
Raquel: Muitas aves no Brasil (e no estado de São Paulo) se encontram ameaçadas de extinção pela perda de habitat, ou seja, porque estamos reduzindo e degradando o ambiente onde vivem. Os psitacídeos e muitos pássaros canoros (como o sabiá, o trinca-ferro) sofrem especialmente com a captura para o comércio ilegal.
Vale lembrar que o papagaio-verdadeiro, que hoje já é um dos psitacídeos mais comuns da cidade de São Paulo (como mostrou meu estudo), é uma das aves que mais sofrem devido à captura de filhotes. Assim, é fundamental que quem queira ter um papagaio em casa procure locais onde a venda é legalizada (autorizada pelo IBAMA), já que para cada animal que compramos por vias ilegais, outros nove indivíduos morrem (entre o transporte e a venda). E se podemos apreciar diversos papagaios e muitas outras aves nos parques da nossa cidade, por que colocá-los na gaiola?
Para cada animal comprado ilegalmente, nove outros morrem!
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A conversa com a bióloga Raquel Colombo Oliveira, além de instrutiva, nos inspira a apreciar a beleza dos psitacídeos e também a protegê-los. Veja algumas dicas:
  • Para quem se interessa pelo tema, o Wiki Aves é um site de conteúdo interativo que serve como excelente recurso para observadores de aves pois permite acesso a textos informativos, identificação de espécies, fotos e sons de qualquer ave do Brasil. É parada obrigatória para ornitólogos e aficionados.
  • Quem quiser se iniciar na observação de pássaros e aves em geral hoje conta com vários grupos organizados no Facebook. O Observatório de Aves Instituto Butantan,   além de organizar expedições, promove boas conversas sobre o tema. Já o Quero Passarinhar indica passeios de observação. Bom lugar para identificar um pássaro que você já fotografou? Fale com o Identificação de Aves.
  • A Lei nº 9.605/98 proíbe a utilização, perseguição, destruição e caça de animais silvestres. A lei prevê prisão de seis meses a um ano, além de multa, para os infratores. Não compre animais silvestres e denuncie os traficantes pelo número 0800-618-080 ou pelo email  [email protected] . Infelizmente, uma das pesquisas mais comuns no Google, usando o termo periquito é ‘meu periquito fugiu‘ isso pode dar uma ideia de que apesar de toda a informação, muita gente ainda mantém essas aves em gaiolas e provavelmente a maioria sem a devida autorização do Ibama.
Para saber mais sobre algumas das aves mencionadas na entrevista, visite:
 Agradecimentos em meu nome e do Horizonte Sustentável a Raquel Colombo Oliveira por toda a consultoria para este post. As imagens foram gentilmente cedidas por ela e por Marco Silva. Todos os direitos reservados aos autores.